19 de set. de 2017

Prova - Segunda Fase - OAB XXIII - FGV

PEÇA PROFISSIONAL: Edson, idoso aposentado por invalidez pelo regime geral de previdência social, recebe um salário mínimo por mês. Durante mais de três décadas, esteve exposto a agentes nocivos à saúde, foi acometido por doença que exige o uso contínuo de medicamento controlado, cuja ministração fora da forma exigida pode colocar em risco a sua vida. Em razão de sua situação pessoal, todo dia 5 comparece ao posto de saúde existente na localidade em que reside, retirando a quantidade necessária do medicamento para os próximos trinta dias. No último dia 5, foi informado, pelo Diretor do referido posto, que a central de distribuição não entregara o medicamento, já que o Município, em razão da crise financeira, não pagava os fornecedores havia cerca de seis meses. Inconformado com a informação recebida, Edson formulou, logo no dia seguinte, requerimento endereçado ao Secretário Municipal de Saúde, autoridade responsável pela administração das dotações orçamentárias destinadas à área de saúde e pela aquisição dos medicamentos encaminhados à central de distribuição, órgão por ele dirigido. Na ocasião, esclareceu que a ausência do medicamento poderia colocar em risco sua própria vida. Em resposta escrita, o Secretário reconheceu que Edson tinha necessidade do medicamento, o que fora documentado pelos médicos do posto de saúde, e informou que estavam sendo adotadas as providências necessárias à solução da questão, mas que tal somente ocorreria dali a 160 (cento e sessenta) dias, quando o governador do Estado prometera repassar receitas a serem aplicadas à saúde municipal. Nesse meio-tempo, sugeriu que Edson procurasse o serviço de emergência sempre que o seu estado de saúde apresentasse alguma piora. Edson, de posse de toda a prova documental que por si só basta para demonstrar os fatos narrados, em especial a resposta do Secretário Municipal de Saúde, procura você, uma semana depois, para contratar seus serviços como advogado(a), solicitando o ajuizamento da medida judicial que ofereça resultados mais céleres, sem necessidade de longa instrução probatória, para que consiga obter o medicamento de que necessita. Levando em consideração as informações expostas, ciente da desnecessidade da dilação probatória, elabore a medida judicial adequada, com todos os fundamentos jurídicos que conferem sustentação ao direito de Edson. (Valor: 5,00) Obs.: a peça deve abranger todos os fundamentos de Direito que possam ser utilizados para dar respaldo à pretensão. A simples menção ou transcrição do dispositivo legal não confere pontuação. 

GABARITO: A peça adequada nessa situação é a Petição Inicial de Mandado de Segurança. A petição deve ser endereçada ao Juízo Cível da Comarca X ou ao Juízo de Fazenda Pública da Comarca X, já que os dados constantes do enunciado não permitem identificar a organização judiciária do local. O examinando deve indicar, na qualificação das partes, o impetrante Edson e, como autoridade coatora, o Secretário Municipal de Saúde. A legitimidade ativa de Edson decorre do fato de necessitar do medicamento para preservar sua saúde, sendo titular do direito que postula A legitimidade passiva do Secretário, por sua vez, é justificada pelo fato de ser o responsável pela aquisição dos medicamentos e de dirigir a central de distribuição. O examinando deve indicar, no mérito, que a saúde é direito de todos e dever do Poder Público, nos termos do Art. 196, caput, da CRFB/88. Acresça-se que o serviço de saúde oferecido pelo Município deve assegurar o “atendimento integral”, conforme prevê o Art. 198, inciso II, da CRFB/88, o que inclui o fornecimento de medicamentos. Em razão das características pessoais de Edson, como a ausência do medicamento pode colocar em risco a sua vida, é evidente a sua exigibilidade como forma de materializar a dignidade humana, contemplada no Art. 1º, inciso III, da CRFB/88. Portanto, deve ser assegurada a efetividade do direito social à saúde. Essa base normativa justifica a escolha do instrumento processual (MS) previsto no Art. 5º, inciso LXIX, da CRFB/88 e/ou no Art. 1º, caput, da Lei nº 12.016/09. Há direito líquido e certo lastreado em prova pré-constituída, já que o próprio Secretário de Saúde reconheceu que Edson necessita do medicamento, bem como que o seu fornecimento está suspenso. O examinando deve sustentar que, além do fundamento relevante do direito de Edson, há o risco de ineficácia da medida final se a liminar não for deferida, tendo em vista a urgência da situação, já que Edson corre risco de vida. A peça deve conter os pedidos de (i) concessão da medida liminar, para que a autoridade coatora reestabeleça o fornecimento do medicamento de que Edson necessita; e, ao final, (ii) procedência do pedido, com confirmação da concessão da ordem, atribuindo-se caráter definitivo à tutela liminar. O examinando deve ainda se qualificar como advogado e atribuir valor à causa.

QUESTÃO 1: Determinado tratado internacional de proteção aos direitos humanos, após ser assinado pelo Presidente da República em 2005, foi aprovado, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por quatro quintos dos votos dos respectivos membros, sendo promulgado na ordem interna. Após a sua promulgação na ordem jurídica interna, percebeu-se que ele era absolutamente incompatível com regra constitucional que disciplinava certo direito dos administrados perante a Administração Pública, já que o ampliava consideravelmente. Com base na situação narrada, responda aos itens a seguir. A) O referido tratado pode ser considerado norma válida de natureza constitucional? (Valor: 0,75) B) Caso seja identificado algum vício de inconstitucionalidade, seria possível submeter esse tratado ao controle concentrado de constitucionalidade realizado pelo Supremo Tribunal Federal? (Valor: 0,50) Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas. A mera citação ou transcrição do dispositivo legal não confere pontuação.

GABARITO: A) O examinando deve responder que o tratado foi aprovado em harmonia com o procedimento previsto no Art. 5º, § 3º, da CRFB/88, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/04, logo, é formalmente válido. Acresça-se que o fato de destoar da Constituição da República, por ter ampliado um direito, não caracteriza qualquer afronta às cláusulas pétreas previstas no Art. 60, § 4º, da CRFB/88, preceito que lhe é aplicável por ter a natureza de emenda constitucional. Portanto, é materialmente válido. B) O examinando deve responder que o tratado aprovado na forma indicada está sujeito ao controle concentrado de constitucionalidade, consoante o disposto no Art. 102, inciso I, alínea a, da CRFB/88, por ter a natureza de ato normativo.

QUESTÃO 2: João, vereador do Município X, e José, senador pelo Estado Y, ambos pertencentes ao Partido K, proferiram inflamado discurso em Brasília contra as atividades desenvolvidas por determinada autarquia federal. Ao final, concluíram que os resultados alcançados nos últimos anos por essa pessoa jurídica de direito público eram pífios, o que era mais que esperado, já que o seu presidente, o Sr. Antônio, “era sabidamente inapto para o exercício da função”. Ao tomar conhecimento do discurso, o Sr. Antônio ficou transtornado. Afinal, era servidor público de carreira e era conhecido por todos pela lisura e seriedade do seu comportamento. Quanto aos maus resultados da autarquia, seriam sabidamente decorrentes da crise econômica que assolava o país, não da incompetência do seu presidente. Por fim, o Sr. Antônio procurou o seu advogado e disse que queria adotar as providências necessárias para a responsabilização do vereador João e do senador José pelos danos causados à sua honra. Considerando a situação hipotética apresentada, responda, de forma fundamentada, aos itens a seguir. A) O vereador João e o senador José podem ser responsabilizados civilmente pelas ofensas à honra do Sr. Antônio? (Valor: 0,75) B) O vereador João e o senador José, nas circunstâncias indicadas, seriam alcançados por alguma imunidade formal passível de influir na sua responsabilidade penal? (Valor: 0,50) Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas. A mera citação ou transcrição do dispositivo legal não confere pontuação.

GABARITO: A) O senador José não poderia ser responsabilizado civilmente, pois é inviolável pelas opinões e pelas palavras correlatas ao exercício do mandato (Art. 53, caput, da CRFB/88), sendo certo que compete ao Congresso Nacional fiscalizar e controlar os entes da administração indireta (Art. 49, inciso X, da CRFB/88). Possui, portanto, imunidade material. Já o vereador João poderia ser responsabilizado, pois a inviolabilidade por suas opiniões e palavras é restrita à circunscrição do Município e ao exercício do mandato (Art. 29, inciso VIII, da CRFB/88). B) O senador José possui imunidade formal, consistente na impossibilidade de ser preso, salvo em caso de flagrante de crime inafiançável (Art. 53, § 2º, da CRFB/88) e na possibilidade de a tramitação do processo penal que venha a responder ser sustada por deliberação do Senado Federal (Art. 53, § 3º, da CRFB/88). O vereador João, por sua vez, não possui imunidade formal (Art. 29, inciso VIII, da CRFB/88)

QUESTÃO 3: Ernesto, de nacionalidade boliviana, imigrou para a República Federativa do Brasil em 2000 e, desde então, com aquiescência das autoridades brasileiras, fixou residência no território nacional. Cidadão de reputação ilibada e profundo admirador de nossa cultura, conheceu Cláudia, de nacionalidade portuguesa, também de reputação ilibada e que vivia no Brasil desde 2010. Ernesto e Cláudia, que começaram a viver juntos há cerca de um ano, requereram a nacionalidade brasileira. Para supresa de ambos, os requerimentos foram indeferidos. No caso de Ernesto, argumentou-se que suas características pessoais, como idade e profissão, não se enquadravam nas diretrizes da política nacional de migração. Quanto a Cláudia, argumentou-se a ausência de utilidade na naturalização, já que, por ser portuguesa, seria alcançada pelo estatuto da igualdade entre portugueses e brasileiros. Inconformados com os indeferimentos, Ernesto e Cláudia procuraram os seus serviços como advogado(a) para que a situação de ambos fosse objeto de criteriosa análise jurídica. Considerando a situação hipotética apresentada, responda, de forma fundamentada, aos itens a seguir. A) Ernesto possui o direito subjetivo à obtenção da nacionalidade brasileira? (Valor: 0,60) B) As razões invocadas para o indeferimento do requerimento de Cláudia mostram-se constitucionalmente corretas? (Valor: 0,65) Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas. A mera citação ou transcrição do dispositivo legal não confere pontuação.

GABARITO: A) O(A) examinando(a) deve responder que, uma vez preenchidos os requisitos estabelecidos no Art. 12, inciso II, alínea b, da CRFB/88, o estrangeiro, como Ernesto, possui o direito subjetivo à obtenção da nacionalidade brasileira. B) O(A) examinando(a) deve esclarecer que qualquer estrangeiro que preencha os requisitos exigidos, inclusive aquele originário dos países falantes de língua portuguesa, consoante o Art. 12, inciso II, alínea a, da CRFB/88, pode postular a obtenção da nacionalidade brasileira, o que ensejará o surgimento de vínculo mais estreitos com a República Federativa do Brasil.

QUESTÃO 4: Determinado cidadão (jurisdicionado) apresentou reclamação, perante o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em face de juiz do trabalho. Ao apreciar o caso, o CNJ, em sessão presidida pelo Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal Federal, conhece da reclamação e instaura Processo Administrativo Disciplinar (PAD). Considerando que os fundamentos da defesa já tinham sido amplamente apresentados pelo juiz do trabalho em suas manifestações públicas, o CNJ, em prol da celeridade processual, afastou a necessidade de nova manifestação do referido agente, tendo decidido pela aposentadoria do magistrado com proventos proporcionais ao tempo de serviço. Considere a seguinte situação hipotética e responda aos itens a seguir. A) O cidadão poderia ter se dirigido ao Conselho Nacional de Justiça na forma descrita?(Valor: 0,60) B) O procedimento do Conselho Nacional de Justiça foi correto? (Valor: 0,65) Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas. A mera citação ou transcrição do dispositivo legal não confere pontuação.

GABARITO: A) O examinando deverá responder que de acordo com o direito de petição, previsto no Artigo 5º, inciso XXXIV, alínea a, da CRFB/88, “qualquer pessoa é parte legítima para representar ilegalidades perante o CNJ”. B) O examinando deverá responder que não, pois, de acordo com o Art. 5º, inciso LV, da CRFB/88 (“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”), a defesa do juiz e, portanto, o seu direito fundamental à defesa, não pode ser prejudicado ou relativizado por conduta não prevista na Constituição da República.

9 de set. de 2017

Informativo 871 do STJ

Para os estudos dos informativos, sempre recomendamos o site www.dizerodireito.com.br. Inclusive, no referido site, do Professor Márcio André Lopes Cavalcante, há o comentário dos Informativos de uma forma bastante didática.
Nesse informativo, há três acórdãos importantes, retirados do site Dizer o Direito: 

COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS: É inconstitucional lei estadual que disponha sobre a segurança de estacionamentos e o regime de contratação dos funcionários 

Lei estadual que impõe a prestação de serviço de segurança em estacionamento a toda pessoa física ou jurídica que disponibilize local para estacionamento é inconstitucional, quer por violar a competência privativa da União para legislar sobre direito civil, quer por violar a livre iniciativa. Lei estadual que impõe a utilização de empregados próprios na entrada e saída de estacionamento, impedindo a terceirização, viola a competência privativa da União para legislar sobre Direito do Trabalho. STF. Plenário. ADI 451/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 1º/8/2017 (Info 871).

COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS: É inconstitucional lei estadual que exija que os supermercados do Estado ofereçam empacotadores para os produtos adquiridos 

Lei estadual que torna obrigatória a prestação de serviços de empacotamento nos supermercados é inconstitucional por afrontar o princípio constitucional da livre inciativa. Lei estadual que exige que o serviço de empacotamento nos supermercados seja prestado por funcionário do próprio estabelecimento é inconstitucional por violar a competência privativa da União para legislar sobre Direito do Trabalho. STF. Plenário. ADI 907/RJ, Rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 1º/8/2017 (Info 871). 

COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS: Inconstitucionalidade de lei estadual que estabeleça exigências nos rótulos dos produtos em desconformidade com a legislação federal 

É inconstitucional lei estadual que estabelece a obrigatoriedade de que os rótulos ou embalagens de todos os produtos alimentícios comercializados no Estado contenham uma série de informações sobre a sua composição, que não são exigidas pela legislação federal. STF. Plenário. ADI 750/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 3/8/2017 (Info 871).