PEÇA PRÁTICO-PROFISSIONAL:
Após mais de 40 (quarenta) dias de intensa movimentação popular, em protestos que chegaram a reunir mais de um
milhão de pessoas nas ruas de diversas cidades do Estado, e que culminaram em atos de violência, vandalismo e
depredação de patrimônio público e particular, o Governador do Estado X edita o Decreto nº 1968.
A pretexto de disciplinar a participação da população em protestos de caráter público, e de garantir a finalidade
pacífica dos movimentos, o Decreto dispõe que, além da prévia comunicação às autoridades, o aviso deve conter a
identificação completa de todos os participantes do evento, sob pena de desfazimento da manifestação. Além disso,
prevê a revista pessoal de todos, como forma de preservar a segurança dos participantes e do restante da
população.
Na qualidade de advogado do Partido Político “Frente Brasileira Unida”, de oposição ao Governador, você ajuizou
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, perante o Tribunal de Justiça do Estado X, alegando a violação a normas
da Constituição do Estado referentes a direitos e garantias individuais e coletivos (que reproduzem disposições
constantes da Constituição da República).
O Plenário do Tribunal de Justiça local, entretanto, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado, de
declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos do Decreto estadual, por entender compatíveis as previsões
constantes daquele ato com a Constituição do Estado, na interpretação que restou prevalecente na corte. Alguns dos
Desembargadores registraram em seus votos, ainda, a impossibilidade de propositura de ação direta tendo por
objeto um decreto estadual.
Entendendo que a decisão da corte estadual, apesar de não conter obscuridade, omissão ou contradição, foi
equivocada, e que não apenas as disposições do Decreto são inconstitucionais como também a própria interpretação
dada pelo Tribunal de Justiça é incompatível com o ordenamento jurídico nacional, os dirigentes do Partido pedem
que você proponha a medida judicial cabível a impugnar aquela decisão.
Elabore a peça judicial adequada. (Valor: 5,0)
Gabarito Comentado pela FGV: A peça a ser elaborada consiste em um Recurso Extraordinário contra decisão proferida em sede de Ação
Direta de Inconstitucionalidade, nos termos do Art. 102, III, c da CRFB/88.
No caso, a ação direta de controle tendo como parâmetro a Constituição do Estado, tem previsão no Art.
125, § 2º da Constituição da República. É possível a interposição de Recurso Extraordinário contra decisão
proferida pelo Tribunal de Justiça no julgamento da mesma, a fim de que seja apreciada, pelo Supremo
Tribunal Federal, a norma da Constituição da República repetida na Constituição Estadual, mas
interpretada, pelo Tribunal de Justiça local, em sentido incompatível com o da Constituição da República.
O Recurso deve ser endereçado ao Presidente do Tribunal de Justiça local, com as razões recursais dirigidas
ao Supremo Tribunal Federal.
O Partido Político é o recorrente. Recorrido é o órgão do qual emanou a norma impugnada (isto é, o
Governador do Estado). Apesar de não constar do voto vencedor a impossibilidade de controle de constitucionalidade de decreto
por meio de ação direta, o examinando deve demonstrar o cabimento da via eleita para a impugnação do
Decreto estadual, pois, a despeito de se tratar de um Decreto, não é um ato de regulamentação da lei, mas
ato normativo primário, que inova autonomamente na ordem jurídica. O examinando deve indicar, em sua
peça, todos os elementos que permitam o seu conhecimento e também o seu provimento, afastando,
desde o início, argumentos desfavoráveis à pretensão que defende.
O examinando deve demonstrar o cumprimento do requisito da Repercussão Geral, que encontra previsão
no Art. 102, § 3º da Constituição, e que deve ser demonstrado pela existência de questões relevantes do
ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa, ou
seja, a questão suscitada não pode ser benéfica somente para o caso concreto proposto, mas para o
interesse da coletividade, na forma do Art. 543-A, § 1º, do CPC. No caso apresentado, a repercussão geral
pode ser demonstrada pela ofensa a direitos fundamentais titularizados por toda a coletividade, uma vez
que a norma cria restrição excessiva ao exercício de direito constitucionalmente assegurado, e o faz sem
previsão em lei.
No mérito, o examinando deve demonstrar que o decreto impugnado viola o princípio da legalidade, na
formulação do Art. 5º, II da Constituição da República, uma vez que não se pode criar restrição a direito
senão em virtude de lei.
O decreto viola o Art. 5º, XVI, da Constituição, que assegura o direito de reunião em locais abertos ao
público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente
convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente. Ou seja,
qualquer outra exigência que venha a ser formulada como condição de exercício do direito é
inconstitucional.
Ainda ocorre a violação ao Art. 5º, da CRFB, que trata do princípio da liberdade de expressão.
Por fim, deve ser indicada a violação ao princípio da razoabilidade/proporcionalidade, pois, ainda que se
entendesse possível a restrição ao direito de reunião, a restrição veiculada pelo decreto, no caso analisado,
falha nos subprincípios da necessidade (que impõe a utilização, dentre as possíveis, da medida menos
gravosa para atingir determinado objetivo) e da proporcionalidade em sentido estrito (que impõe a análise
da relação custo/benefício da norma avaliada, de modo que o ônus imposto pela norma seja inferior ao
benefício por ela engendrado, sob pena de inconstitucionalidade).
O examinando, ao final, deve formular pedido de reforma da decisão recorrida, para fim de ver declarada a
inconstitucionalidade do Decreto editado pelo Governador do Estado, bem como requerer a notificação do
Ministério Público.
QUESTÃO 1:
Insatisfeito com a demora para a efetivação das desapropriações necessárias à construção de uma rodovia federal, o
Presidente da República editou o Decreto n. 9.999, por meio do qual, expressamente, determinou a revogação do
Decreto-Lei n. 3.365/1941, que dispunha sobre a desapropriação por utilidade pública, e, ao mesmo tempo, institui
novo regramento a respeito do tema.
Sobre a hipótese apresentada, responda, justificadamente, aos itens a seguir.
A) Em nosso ordenamento jurídico constitucional, existe previsão para a edição de decreto autônomo? (Valor:
0,50)
B) É possível a revogação do Decreto-Lei n. 3.365/1941 pelo decreto presidencial? (Valor: 0,75)
Gabarito comentado pela FGV: A)
A resposta é positiva. “A Emenda Constitucional n. 32/2001, que modificou a redação do Art. 84, VI da
Constituição da República, permitiu, em nosso ordenamento pós-Constituição de 1988, o chamado
‘decreto autônomo’, isto é, aquele decreto de perfil não regulamentar, cujo fundamento de validade
repousa diretamente na Constituição”. Contrapõe-se aos chamados decretos regulamentares, ou de
execução, previstos no Art. 84, IV, da Constituição, que não criam, modificam ou extinguem direitos,
mas apenas desenvolvem a lei já existente, de onde buscam fundamento de validade. Tanto assim que
o Supremo Tribunal Federal admite o controle, por via de ação direta de inconstitucionalidade, do
decreto autônomo, revestido de conteúdo normativo, mas não o admite quando se tratar de decreto
de regulamentação da lei.
OU
A resposta é negativa. O princípio da legalidade, de acordo com o Art. 5º, II da CRFB/88, em harmonia
com o Art. 84, VI da CRFB, não permite a existência de decretos autônomos no ordenamento jurídico
brasileiro, ou seja, regulamentos com a capacidade de inovar primariamente a ordem jurídica.
B) A resposta é negativa. Em primeiro lugar, a desapropriação é matéria que exige lei em sentido formal
para a sua disciplina, conforme previsão constante do Art. 5º, XXIV, da Constituição. Desse modo, o
Decreto Lei n. 3.365/1941, que se reveste de forma não mais existente em nosso ordenamento, foi
recepcionado com status de lei ordinária, e somente por essa forma legislativa pode ser revogado ou
alterado. A mesma conclusão pode ser extraída do princípio da legalidade, que condiciona restrição a
direito à existência de lei em sentido formal.
Além disso, o decreto autônomo só encontra espaço, em nosso ordenamento, para as hipóteses do
Art. 84, VI, da Constituição, cabendo-lhe, no mais, apenas a regulamentação das leis. Por essa razão,
decreto que cria disciplina nova ou que revoga ato normativo hierarquicamente superior exorbita da
disciplina constitucional. Nesse mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou,
reiteradas vezes, afirmando que “falece competência ao chefe do Poder Executivo para expedir decreto
destinado a paralisar a eficácia de ato normativo hierarquicamente superior” e a possibilidade de
“controle de constitucionalidade de decretos que determinam a suspensão de lei complementar e a
introdução de inovações legislativas, em extrapolação da função regulamentar”.
QUESTÃO 2:
Com a aproximação do pleito eleitoral, o Prefeito do Município ABC, que concorrerá à reeleição, vem tentando
resgatar a sua imagem, desgastada por conta de sucessivos escândalos. O Prefeito deu início a uma série de obras
públicas de embelezamento da cidade e quadruplicou as receitas destinadas à publicidade. Para fazer face a essas
despesas, o Município deixou de aplicar o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento
do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde e anunciou corte ainda maior nas verbas destinadas à educação e
saúde para o exercício financeiro seguinte.
Considerando que a Constituição da República autoriza a intervenção nessa hipótese, responda,
fundamentadamente, aos itens a seguir.
A) A União pode intervir nos Municípios, caso o Estado deixe de fazê-lo? (Valor: 0,65)
B) Caso o Governador decrete a intervenção do Estado no Município, tal ato estará sujeito a alguma forma de
controle político? (Valor: 0,60)
Gabarito comentado pela FGV: A) A resposta é negativa. A intervenção é medida excepcional, que só poderá ocorrer nas hipóteses
taxativamente enumeradas no texto constitucional. E a Constituição somente autoriza a intervenção
federal em Estados ou em Municípios situados em territórios federais (artigos 34 e 35, da CRFB), mas
não a intervenção federal em municípios situados em Estados (ainda que haja omissão do Estado).
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, de longa data, deixou assentada essa impossibilidade,
registrando que os municípios situados no âmbito dos estados-membros não se expõem à
possibilidade constitucional de sofrerem intervenção decretada pela União, eis que, relativamente a
esses entes municipais, a única pessoa política ativamente legitimada a neles intervir é o Estadomembro.
Por isso mesmo, no sistema constitucional brasileiro, falece legitimidade ativa à União para
intervir em quaisquer Municípios, ressalvados, unicamente, os Municípios localizados em Território
Federal.
B) A resposta é positiva. A intervenção estadual no município, no caso descrito, é ato executado pelo
Chefe do Poder Executivo (Governador). Nada obstante, a própria Constituição da República
estabelece o controle político a posteriori da Assembleia Legislativa do Estado sobre o Decreto de
intervenção expedido pelo Governador (Art. 36, § 1º, CRFB).
QUESTÃO 3: O Estado “Z” editou lei que institui uma Taxa de Fiscalização de Estradas, impondo o pagamento de uma elevada
quantia para o acesso ou para a saída do território daquele Estado por meio rodoviário.
Sobre a hipótese sugerida, responda, fundamentadamente, aos seguintes itens.
A) O Governador do Estado “Y” pode impugnar a lei editada pela Assembléia Legislativa do Estado “Z” por meio de
Ação Direta de Inconstitucionalidade? (Valor: 0,65)
B) Caso a lei do Estado “Z” seja impugnada por um partido político, por meio de Ação Direta de
Inconstitucionalidade, pode prosseguir a ação em caso de perda superveniente da representação do partido no
Congresso Nacional? (Valor: 0,60)
Gabarito comentado pela FGV: A) O examinando deve identificar que, no caso de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta por
Governador de um Estado tendo por objeto lei de outro Estado da Federação, impõe-se a
demonstração do requisito da “pertinência temática”. Esse requisito se refere à comprovação, por
alguns legitimados, de que o objeto da instituição guarda relação (pertinência) com o pedido da ação
direta proposta por referida entidade, tendo em vista a repercussão do ato sobre os interesses do
Estado. A pertinência temática é requisito construído, de longa data, pela jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal
Nesse sentido, seria necessário que o Governador de um Estado da Federação demonstrasse que o
conteúdo debatido em tal ação de controle de constitucionalidade (isto é, a lei de outro Estado da
Federação) tem ligação, no mínimo indireta, com o interesse do seu Estado e de sua população.
B) O examinando deve identificar que a perda superveniente de representação no Congresso Nacional
não obsta o prosseguimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade. Isso porque a aferição da
legitimidade há de ser feita no momento da propositura da ação, uma vez que se trata de processo
objetivo e indisponível. O próprio Supremo Tribunal Federal superou antiga jurisprudência que
apontava a descaracterização superveniente da legitimidade no caso de perda de bancada legislativa
no Congresso Nacional após a propositura da demanda.
QUESTÃO 4:
Após intenso debate, a Assembleia Legislativa do Estado X editou a Lei n. 1.001, de iniciativa do Deputado “M”, que
prevê a obrigatoriedade de instalação, em até 360 (trezentos e sessenta dias), de um sistema eletrônico de limitação
da velocidade de veículos automotores, de baixo custo, a fim de reduzir o número de acidentes com vítimas nas
estradas estaduais. Irritado, o Deputado “P”, da oposição, quando procurado por jornalistas, afirmou que estava
envergonhado daquele dia, pois a lei aprovada era “uma piada, uma palhaçada, ridícula”, protegia os empresários, e
não a população e só poderia ter, como origem, um Deputado associado a grupos interessados no mercado de peças
automotivas.
Considerando o exposto, responda fundamentadamente, aos itens a seguir.
A) O Deputado “P” pode ser responsabilizado pelas ofensas proferidas durante a entrevista? (Valor: 0,85)
B) É válida a lei estadual que impôs a obrigatoriedade de instalação de sistema de controle de velocidade de
veículos automotores? (Valor: 0,40)
Gabarito Comentado pela FGV; A) A resposta é negativa. A Constituição assegura aos Deputados e Senadores, em seu Art. 53, a
inviolabilidade, civil e penal, por suas opiniões, palavras e votos. Trata-se da chamada imunidade
material. Essa inviolabilidade, ou imunidade material também abrange, sob seu manto protetor, as
entrevistas jornalísticas e as declarações feitas aos meios de comunicação social, uma vez que tais
manifestações – desde que vinculadas ao desempenho do mandato – se qualificam como natural
projeção do exercício das atividades parlamentares. Nesse sentido é a jurisprudência consolidada do
Supremo Tribunal Federal. Por essa razão, “P” não pode ser responsabilizado pelas ofensas proferidas
a outro Deputado durante a entrevista.
B) A resposta é negativa. A Constituição estabelece um sistema de repartição de competências
legislativas, atribuindo privativamente à União legislar sobre trânsito e transportes (Art. 22, XI). Nesse
sentido, não se admite aos Estados a edição de lei que disponha sobre a adoção de mecanismos ou
sistemas eletrônicos de controle da velocidade de veículos automotores, por constituir invasão de
tema reservado à competência privativa da União. Nesse sentido já se manifestou o Supremo Tribunal
Federal, em reiteradas ocasiões.