30 de jun. de 2010

Controle de Constitucionalidade - Parte 2

Nesta segunda parte de estudos sobre o Controle de Constitucionalidade, iremos nos focar em como se dão o Controle Difuso e Concentrado no Brasil.
Já foi mencionado que a Constituição adota o controle jurisdicional misto de constitucionalidade, nas formas difusa e concentrada.
Como uma primeira observação é importante citar a cláusula da reserva de plenário (art. 93, XI), ou seja, a declaração de inconstitucionalidade nos tribunais só poderá ser feita pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do órgão especial. (há a exceção do art. 481 do CPC, quando haja pronunciamento anterior pelo Supremo Tribunal federal ou apreciação anterior da mesma lei ou ato pelo tribunal).
Insta lembrar que a cláusula de reserva de plenário não se aplica à declaração de constitucionalidade, às turmas recursais dos juizados especiais, nem aos juízes singulares.
1 – CONTROLE DIFUSO
Possui esse nome em decorrência da competência atribuída a qualquer órgão do Poder Judiciário para exercê-lo.
O reconhecimento da inconstitucionalidade é apenas incidental, posto que o principal escopo é a proteção de direitos subjetivos. A inconstitucionalidade, nesse caso, pode ser reconhecida até mesmo de ofício.
A declaração de inconstitucionalidade, geralmente, tem efeitos retroativos (“ex tunc”). Não obstante, por questões de segurança jurídica, pode ocorrer uma modulação temporal dos efeitos da decisão, atribuindo-se expressamente efeito “ex nunc” ou “pro futuro”.
a) Recurso Extraordinário
Inserido no art. 102, III, da Constituição Federal, é um mecanismo processual de controle difuso de constitucionalidade, através do qual o recorrente pode submeter ao crivo do STF, causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar algum dos dispositivos constitucionais; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição ou, d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
Apenas excepcionalmente o recurso extraordinário pode ser utilizado como instrumento de controle concentrado de constitucionalidade (vide Rcl nº 383/SP, rel. Min. Moreira Alves – 11.06.1992: “Admissão da propositura da ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local, com possibilidade de recurso extraordinário se a interpretação da norma constitucional estadual, que reproduz a norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance desta”).
b) Suspensão pelo Senado
No controle difuso o Senado poderá suspender, no todo ou em parte, a execução da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (art. 52, X).
Trata-se de ato discricionário. Porém, caso o Senado decida pela suspensão, esta deverá se ater aos limites da decisão do STF.
A expressão “lei” deve ser interpretada de forma extensiva, como sendo qualquer ato normativo independentemente da esfera de que tenha emanado.
c) Controle difuso e ação civil pública
A ação civil pública pode ser utilizada como instrumento do controle difuso, desde que a declaração de inconstitucionalidade seja apenas a causa de pedir.
2 – CONTROLE CONCENTRADO

Também identificado como controle abstrato, o desiderato principal é assegurar a supremacia da Constituição, independentemente da existência de lesões concretas a direitos subjetivos.
Trata-se de um processo constitucional objetivo, bastante peculiar, podendo ser proposto independentemente da demonstração de um interesse jurídico específico. Possui natureza híbrida (judicial/legislativa), onde nas declarações de inconstitucionalidade com redução de texto o Supremo atua como legislador atípico e negativo.
Existem cinco mecanismos para o controle concentrado de constitucionalidade, quais sejam: ação direta de inconstitucionalidade (ADIN), Representação Interventiva (ADIN Interventiva), ação de inconstitucionalidade por omissão (AIO), ação declaratória de constitucionalidade (ADECON) e argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).

a) Competência
A competência concentra-se no Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, “a” e art. 102, §1º) quando o parâmetro é a Constituição Federal.
Na esfera estadual, a competência é reservada aos Tribunais de Justiça, onde o parâmetro é a Constituição Estadual (art. 125, §2º, da CF).
b) Objeto
Deve ser analisado sob três enfoques:
-No tocante à sua essência (natureza):
ADECON e ADIN: podem ter por objeto apenas lei ou ato normativo (art. 102, I, “a”), ou seja, atos normativos primários, gerais e abstratos, capazes de inovar no mundo jurídico.
ADPF: Pode ser qualquer ato do poder público, normativo ou não (Lei n. 9.882/99, art. 1º).
-No tocante ao aspecto temporal:
ADIN: leis ou atos normativos posteriores a 05/10/1988.
ADECON: leis ou atos normativos posteriores a 17/03/1993.
ADPF: qualquer ato do poder público, inclusive anteriores à Constituição.
- No que tange ao aspecto espacial:
ADIN: leis e atos normativos elaborados na esfera federal ou estadual (inclusive advindos do Distrito Federal, desde que com conteúdo de norma estadual).
ADECON: leis e atos normativos federais
ADPF: qualquer ato do Poder Público, independentemente da esfera.
c) Parâmetro (“normas de referência”)
ADECON E ADIN: possuem como parâmetro todas as normas formalmente constitucionais, inclusive os princípios implícitos e os tratados internacionais de direitos fundamentais aprovados nos termos do art. 5º,§3º, CF.
ADIN Interventiva: Nos termos do art. 36, III, da Constituição, só cabe esta ação no caso de recusa à execução de lei federal (art. 34, VI) ou violação dos princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII)
ADIN por Omissão: Apenas os dispositivos constitucionais consubstanciados em normas de eficácia limitada (normas não auto-aplicáveis)
ADPF: Apenas os preceitos fundamentais da Constituição, dentre eles, os direitos e garantias fundamentais, os princípios sensíveis e as cláusulas pétreas (ADPF nº 33/PA, Rel. Min. Gilmar Mendes, 29.10.2003).
d) Legitimidade ativa
A legitimidade ativa é a mesma na ADIN, ADECON (art. 103) e ADPF (Lei nº 9.882/99, art. 2º, I). A única peculiaridade ocorre com a ADIN Interventiva, cuja legitimidade ativa é atribuída exclusivamente ao Procurador – Geral da República.
Alguns legitimados precisam demonstrar pertinência temática entre o ato impugnado e o interesse defendido pela parte. São, portanto, legitimados especiais (Governador de Estado e do Distrito Federal, Mesa da Assembléia Legislativa e da Câmara Legislativa do Distrito Federal, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional). Os legitimados universais são o Presidente da República, Mesa da Câmara, Mesa do Senado, Procurador – Geral da República, Conselho Federal da OAB e partido político com representação no Congresso Nacional.
e) Procurador-Geral da República
Será previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade, bem como em todos os processos de competência do STF (art. 103, §1º).
Quando for agente provocador da ação direta, o Procurador Geral da República atuará como “custos legis”, podendo se manifestar contrariamente à inconstitucionalidade argüida na inicial. Entretanto, não poderá desistir da ação.
f) Advogado – Geral da União
Na apreciação da inconstitucionalidade de norma legal ou ato normativo, o STF citará previamente o AGU para defender a norma ou ato impugnado (art. 103,§3º). Tal citação ocorre apenas na ADIN, não se aplicando a nenhuma outra hipótese de controle concentrado.
O art. 103,§3º, lhe atribui uma função especial para atuar como “defensor legis”.
O AGU deverá defender a constitucionalidade, seja o ato de origem federal ou estadual, não lhe competindo opinar ou exercer função fiscalizadora é do Procurador-Geral da República. Apesar disso, não está o AGU obrigado a defender tese jurídica considerada inconstitucional pelo STF (ADI nº 1.616, rel. Min. Maurício Corrêa)
g) Medida Cautelar
Poderá ser concedida (art. 102, I, “p”) na ADECON, ADIN ou ADPF.
O STF não admite a concessão da medida cautelar na ADIN Interventiva e na Ação de Inconstitucionalidade por Omissão.
Na ADECON, a medida cautelar consiste na suspensão de todos os processos que envolvam a aplicação da norma – objeto, produzindo eficácia “erga omnes” e efeito vinculante, relativamente ao Poder Executivo e aos demais órgãos do Poder Judiciário.
Na ADIN, a decisão que a concede é dotada de eficácia “erga omnes” e, por ser precária, produz efeitos “ex nunc”, caso o STF não se pronuncie expressamente a este respeito. O efeito vinculante da liminar se refere aos demais órgãos do Poder Judiciário e a toda Administração Pública, importando na suspensão da vigência da lei questionada e do julgamento dos processos que envolvam sua aplicação.
Em casos excepcionais, o STF poderá conceder-lhe eficácia retroativa (“ex tunc” (art. 11,§1º, Lei n. 9868/99). Em qualquer hipótese, a decisão começará a valer a partir da data de sua publicação. O art. 11,§2º, assevera que, salvo expressa manifestação em outro sentido, a legislação anterior torna-se aplicável. Ocorre o chamado efeito repristinatório tácito.
Na ADPF, a decisão precária terá como efeito suspender a tramitação de processos ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida relacionada com a matéria objeto da argüição, salvo se decorrentes da coisa julgada (art. 5º, §3º da Lei n. 9.882/99).
h) Decisão de mérito
- Limites subjetivos (“eficácia erga omnes” e “efeito vinculante”): A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade produz, a partir de sua publicação, eficácia “erga omnes” (contra todos) e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública, direta e indireta, de todos os entes da federação. A ADIN, ADECON e ADPF possuem efeitos idênticos.
O efeito vinculante da decisão não atinge o próprio STF que, em determinadas circunstâncias, poderá rever suas decisões, nem o legislador que pode elaborar uma nova lei com conteúdo material idêntico.
Caso haja desrespeito à eficácia vinculante autoriza-se o uso da reclamação (art. 102, I, “l”)
- Limites objetivos (“efeito transcendente dos motivos determinantes”): A jurisprudência do STF tem admitido a possibilidade de reconhecimento do fenômeno da “transcendência dos motivos” que embasaram a sua decisão, proclamando que o efeito vinculante se projeta para além do dispositivo, estendendo-se à própria “ratio decidendi”.
- Limites temporais: Tradicionalmente, a decisão que declara a inconstitucionalidade da lei tem efeitos retroativos. (“ex tunc”). Não obstante, há a possibilidade de “modulação dos efeitos temporais” da decisão. Dessarte, por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, o STF poderá adotar um efeito “ex nunc” ou “pro futuro”, mediante quorum qualificado de dois terços dos Ministros.
- Efeitos da decisão na ADIN interventiva: Nos termos do art. 36, II, a decisão do STF que julga procedente a ADIN interventiva é pressuposto indispensável para que o Presidente da República decrete a intervenção federal no caso de recusa à execução da lei federal pelo Estado-membro (art. 34, VI) ou na hipótese de uma lei ou ato normativo estadual violarem qualquer dos princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII).
Apesar da divergência sobre o grau de vinculação do Presidente à decisão do STF, parece-nos tratar de um ato discricionário.
Não se submete a controle político a intervenção nos casos do art. 34, VI e VII. Há a dispensa de apreciação pelo Congresso Nacional e o decreto deverá limitar-se a suspender o ato impugnado, caso essa medida seja suficiente para restabelecer a normalidade. (art. 36, §3º).
- Efeitos da decisão na AIO: A decisão de mérito consiste na ciência, dada ao órgão ou poder competente, para que adote as providências cabíveis. No caso de omissão de um órgão administrativo é fixado um prazo de 30 dias (art. 103, §2º), permitindo-se a responsabilização do Poder Público. Quanto ao Poder Legislativo, não há prazo estipulado (embora haja decisão do STF estipulando prazo de dezoito meses – ADI nº 3.682, Informativo nº 466).